crônicas de nova iorque II

concordo inteiramente com um amigo meu: visitar nova iorque tem o cheiro de infância.

deve pensar o meu unitário leitor que tanto eu quanto ele viajamos para nyc desde o tempo em que borrávamos fraldas. não posso responder por ele mas, como eu já disse anteriormente essa foi a primeira vez que visitei os eua ou, melhor ainda, a primeira vez que cruzei os limites da américa do sul.

sou do interior, da bucólica e canavieira santa bárbara d´ oeste e a rua onde morava localizava-se na parte baixa da cidade. se algum barbarense – enquanto tenta aplacar a ansiedade em ver o césar cielo nadando – estiver lendo o meu blog, dirá: ah, mas a casa onde você morava era perto do centro. concordo, eu diria, mas tenho que observar que morar perto do centro em sbo não significa muita coisa, se considerarmos o tamanho da cidade.

bom, mas eu estava falando sobre o quê mesmo?

sim, estava falando do lugar onde morava e sua relação com as minhas lembranças de nova iorque. como morava na parte baixa da cidade, a única emissora que a antena captava era a globo. assim, depois que eu chegava do sesi, a minha diversão obrigatória era assistir a sessão da tarde.

Um Principe em Nova York - Coming to America - Eddie Murphy - reg thorpena sessão da tarde, claro, com exceção dos filmes dos trapalhões, os filmes exibidos eram estadunidenses. como, por exemplo, “um príncipe em nova iorque”, com o eddie murphy. claro, uma comédia boba, cheia de clichês e exaltações ao american way of life. Entretanto, essas eram questões que a minha ingenuidade caipira e pré-pubiana não conseguiam entender. de fato, eu só me lembrava que o filme era divertido.

havia, na verdade, há. não se pode usar havia quando se fala de clássicos. os clássicos sempre são. enfim, há também o divertidíssimo “caça-fantasma” e o momento em que o monstro de marshmellow assola a cidade.

como se não bastassem esses romances, as aventuras mirabolantes, as cenas no central park, as cenas das luminosas das árvores de natal faziam com que meu coração terceiro mundista, interiorano pensasse se um dia eu seria possível conhecer a cidade.

a opupação dos idiotas da subjetividade

suponhamos que você esteja, um dia, de passagem pela av. paulista e me pergunta: “olha, eu conheço nélson rodrigues e gostaria de visitar uma exposição que não me acrescentasse nada sobre o tema”. eu lhe recomendaria a exposição do itaú cultural.

1o de abril

sou contra ao estabelecimento do dia 31 de março como o dia do golpe de 1964. acho que o marco deveria ser 1o de abril. é um dia mais legal.

acho que o dia da mentira é o ideal para homenagear a farsa que representa um governo ditatorial. acreditar que alguma ditadura possa trazer benefícios para um país é como acreditar naquelas mentiras bobas que nos contavam para que fôssemos dormir.

a única verdade sobre a ditadura é que ela não pode ser esquecida e seus articuladores devem responsabilizados. inclusive os civis!

do tempo da delicadeza

nasci em 1978, mais precisamente, em 11 de janeiro de 1978 e nesse ano completei 68 anos. não, veja bem, não é erro de cálculo nem nada. tenho, realmente, 68 anos.

explico: em cada ano, envelheci 2. deixei de ser jovem há muito tempo e parece que cada dia eu envelheço mais e mais, descontroladamente. perdi toda minha paciência para experimentações, fusões, recortes, remixes, colagens, coletivos e tudo mais. considero tudo chato, muito chato.

certo dia, uma amiga comentou que foi convidada para uma balada onde haveria jazz experimental. já torci o nariz quando ela falou “balada”, que me remete automaticamente à música alta, djs, luzes que não te permitem enxergar nada, bebida quente e a impossibilidade de se conversar com alguém. farei uma confissão: tenho certeza que o que vai acabar com a humanidade não será nenhum desastre ambiental, nenhuma crise financeira ou nenhum vírus: a humanidade se desintegrará por causa da música alta, que arrebenta com nossas conexões neurais. aliás, já falei que não considero dj um músico e nem música eletrônica como música. talvez não, mas deixo isso para depois.

onde eu estava? ah, certo. pois bem, ela foi para uma balada com jazz experimental e eu pensei: deve ser algum antro em que as pessoas praticam heresias do tipo blasfemar contra so what, mas não: o jazz experimental não era nem jazz, nem música: era uma improvisação com barulhos.

de forma que, como percebe-se, não gosto de novidades. aliás, não gostar é pouco. não suporto. sou tradicional, tradicionalíssimo, daqueles que ainda compram cds em lojas. gosto de clássicos, de coisas estabilizadas.

hoje fui assistir ao “o artista”. na década do avatar e dos anti-higiênicos óculos 3-d, fui assistir a um filme mudo. mudíssimo, eu diria. e como é lindo e o melhor adjetivo para ele é: cinematográfico.

cinematográfico porque ele é cinema puro. ele fala de arte, fala de resistência, fala de beleza e fala de delicadeza. é filme para aqueles que gostam de filmes!

ouvindo sampa no ipod

não me lembro exatamente quando, mas houve na minha infância dois momentos especiais:

um, foi quando vim para são paulo com o pessoal do fisk, da bucólica santa bárbara, para um curso. viemos de viação piracicabana direto para a rodoviária do tietê. era de manhã, a rodoviária estava lotada e o metrô idem. aquele empurra que todos nós conhecemos mas, para aquele caipira, o empurra era parecido com o apocalipse e o inevitável aconteceu: a porta fechou-se em mim e o segurança do metrô, jogando-me para dentro, gritou “fica esperto, mané!”

outro, foi quando eu vim para cá com o meu tio zé para fazermos compras para sua confecção na 25. o caos, o acúmulo de gente, os comerciantes jogados ao longo do chão me assustaram, mas vou ser sincero, me fascinaram. depois desses dois episódios, de uma certa forma eu já sabia que moraria em são paulo.

quando prestei vestibular em 1999, fiz 4 opções: jornalismo na cásper líbero, na usp, na unesp de rio de claro e na unicamp. entretanto, passei “apenas” na cásper e na unicamp e, por motivos financeiros, acabei estudando na unicamp.

foi a grande decisão da minha vida. morar em campinas e estudar em campinas transformaram-me no que sou hoje, para o bem ou para o mal. aprendi a amar campinas, fazê-la o meu porto seguro e a unicamp tornou-se o local onde conheci muitos de meus companheiros de jornada.

morei em campinas de 2000 a 2006 e sempre ia para são paulo visitar meus amigos, curtir uma baladinha, beber umas cervejas, mas o meu desejo de morar aqui adormeceu. campinas estava se tornando minha cidade, mas algo aconteceu.

mas, em 2005, conheci a denise e, em 2005 casei com a denise. sabia que ia viver com ela para o resto da minha vida. ela tinha morado em campinas, mas agora morava em são paulo e, de repente, aquele desejo de mudar para são paulo que, no parágrafo anterior eu declarei que estava adormecido, voltou à tona.

confesso, havia a possibilidade da denise morar em campinas. só que, sempre que ia para são paulo vê-la e sempre que andávamos pela paulista, sentia um arrepio na espinha. e, sabe, se ao andar pela paulista, você sentir um arrepio na espinha, saiba: você TEM que morar em são paulo, urgentemente.

em 2007, sem pensar, mudei-me para são paulo. sabe, uma mulher é igual à são paulo. uma coisa é você torná-la seu amante, visitá-la apenas quando o tesão dá as ordens e outra coisa é você casar com ela. morando em são paulo, perdi o comando sobre a relação. não iria mais para são paulo apenas quando quisesse, ou apenas para aplacar o meu tesão e minha saudades. daquele momento em diante, passei a conviver com são paulo diariamente, na alegria e na tristeza.

confesso que o trânsito, a pobreza e o barulho me impressionaram. agora mesmo, numa tarde ensolarada de um feriado, ouço o barulho de uma britadeira. pensei, 6 meses depois em desistir, pois estava entendendo que são paulo não seria para mim além de uma pretensão de um eterno caipira.

sabe, toda vez que esse sentimento batia, eu ia para a paulista, tomava um café e respirava fundo. meus pulmões, obviamente, gritavam, mas minha alma se confortava e se certificava de que realmente são paulo seria minha cidade.

ainda hoje, a pobreza, o trânsito e o barulho me incomodam. entretanto, sou um entusiasta da cidade democrática, mas injusta que é são paulo. com o passar dos anos, descobri o centro, a rua augusta e a possibilidade das mais variadas pessoas conviverem, nem sempre pacificamente.

aprendi, em 5 anos, que são paulo é a cidade brasileira por excelência. pulsante, retrógoda, bonita, decadente, miserável, rica, vanguardista e passadista.

“e esse sou eu, na esquina de novo. tudo é tão novo quanto essa canção. será que alguém presta atenção” (Ouvindo Sampa no Walkamn, Eng. do Hawaii)